O crítico leigo

Escolas literárias, mensagens subliminares, influências desta ou daquela escola, correntes filosóficas e avaliações estéticas. Você não vai encontrar nada disso aqui. Eu vejo filmes e leio livros e ouço música como leigo. As minhas impressões são totalmente subjetivas e infundadas. Ainda bem!

Monday, June 28, 2004

Cazuza - O tempo não para

O filme apresenta o Cazuza:

- Como um adolescente folgado e irresponsável, mimado possivelmente pelo dinheiro fácil;
- Como uma bicha tresloucada, atacada;
- Como um narcisita cínico;
- Como um moribundo muito pouco introspectivo.

Mais impressões: O filme tem uma excelente trilha sonora. A Marieta Severo interpreta uma mãe cegamente apaixonada, incapaz de uma reprimenda sequer. O Cazuza do filme não é nada empático. Seus amigos estão sempre drogados, são impulsivos e inconsequentes. A interação de Cazuza com todos é sempre performática. Ao invés de diálogos, o mais comum é vê-lo recitando.

O Frejat é apresentado como um mala careta. O sucesso do Barão é fácil, quase que natural. As letras do Cazuza brotam espontaneamente, sem revisão ou esforço.

A morte do Cazuza é triste, mas banal. No final, fica uma sensação de vazio, de que a morte é uma interrupção besta, sem contra-partidas.

Thursday, June 24, 2004

Contra o Fanatismo

Amos Oz parece um cara bem simples. Apesar de se repetir um bocado nas três palestras incluídas nesta edição, é sempre coerente. Suas digressões podem irritar um leitor demasiadamente preocupado com a essência das questões abordadas. Quem abordar as palestras como ensaios, no entanto, poderá curtir as digressões, talvez até mais do que as questões centrais.

Eu concordo com suas posições do autor em relação ao compromisso e também em relação à imaginação (empática) e o humor como antídotos para o fanatismo. Gostei também do pertinente comentário de que o fanatismo é bem mais presente do que a maioria imagina.

Uma boa e relativamente despretensiosa leitura rápida.

Sunday, June 20, 2004

Desgraça

(Eu não preciso me desculpar por usar lugar-comum neste blog. Esta talvez seja a própria essência dele.)

J.M. Coetzee ganhou o Prêmio Nobel de literatura. Seu livro, "Disgrace" (traduzido para Desonra em português) é um abismo. Você sente a vertigem já nos primeiros capítulos com a vontade do protagonista de se destruir. Isto, aparentemente, é fruto da sua desilusão geral com o mundo. E esta é a toada de todo livro. Desilusão, impotência e desgraça.

O livro termina naturmalmente com um corpo espatifado no chão (metaforicamente falando, não quero estragar a leitura de ninguém contando o fim do livro). Sem esperanças e sem redenção.

Qual o problema dos escritores contemporâneos? Ou qual o problema com o nosso mundo?

Nunca "ignorance is bliss" conteve tanta realidade.

Thursday, June 17, 2004

Amen

Yesteraday I watched Costa Grava’s “Amen”. It is a docudrama about an SS official trying to denounce the genocide of jews during WWII. The plot revolves between this official (Gerstein) and a catholic priest (Riccardo) while they try to urge the pope to publicly repudiate the massacre of Jews. The pope, as we now know, never did. Neither have anyone else. The movie shows the political agendas of the Vatican, and explores the reasons why the US and American jews were so bland on the issue (at one point, a cardinal points out “No country is willing to receive expatriate jews…specially empty handed jews), but for me that is beyond the point. For me the heart of the matter is simpler:

“Who gives a fuck?”

Why risk my skin or even get out of my way for the sake of others? Who cares if people are (still) starving in Uganda? If Iraqis (military, terrorists?) are being tortured? If children are being murdered in Rio de Janeiro a few blocks from 5 star Copacabana Palace? If girls are sent to slavery and prostitution in Para? I don’t.

I am worried about the apartment I have to buy. About how boring my day will probably be tomorrow. I worry about my savings account and brazilian interest rates. I donate a small amount of my monthly salary to help me not to think about the rest of the world.

And that is true of 99% of the people in the world.

Since the movie is based on a true story, it does not end in climatic redemption. Riccardo the priest, chose to die in a gas chamber alongside innocent jews. Gerstein prepared a detailed report about the atrocities he was part of (despite his effort in trying to expose and stop them) and delivered it to the allies, who arrested them. He hanged himself in the cell leaving his wife and four children. Gerstein closest colleague in the SS, the one that sent Riccardo to the gas chamber, fled to Rome and then found asylum in Argentina where he lived, presumably peacefully to the rest of his life, as a physician.

Amen

Wednesday, June 02, 2004

O dia que matei meu pai

Mario Sabino me lembrou Machado de Assis. Não que esteja aos pés deste como romancista. Mas, quando lí Memórias Póstumas pela segunda vez, depois de adulto, percebi inúmeras referências razoavelmente óbvias que não tinha identificado na primeira leitura. O livro do Mario Sabino é repleto de referências. Aliás, tem tantas referências e comentários "espertos" que estes acabam soterrando a trama e as personagens.

O romance "O dia que matei meu pai" torna-se um mero veículo para a erudição e considerações filosóficas do autor. Como os livros de Ayn Rand, só que bem menos pragmático, o livro é mais um "livro de idéias" do que um romance propriamente dito. O que não necessáriamente é um demérito. A narrativa é extremamente bem polida e as referências tem pertinência na argumentação ou alegoria. Mas o protagonista, o pai e as personagens do livro dentro do livro "Futuro" raramente saltam das páginas para nossa imaginação. Ficamos saciados intelectualmente, mas sempre a alguma distância.

O Deserto dos Tartaros

Dizem que Dino Buzatti sofreu relevantes influencias de Kafka e Poe. Eu já lí Poe e Kafka, mas nenhum dos dois chegou aos pés de Dino Buzatti em angustia ou terror. O Deserto dos Tartaros é o livro mais horripilante que lí em toda a minha vida. Giovanni Drogo passa a vida esperando. O que torna a estória assustadora é que este terror é um terror possível, quiça provável. Os dias de Drogo no forte Bastiani se repetem e acabam se comprimindo e desaparecendo. A procastinação de Drogo em tomar uma atitude ou decisão acaba se tornando a mais importante decisão da sua vida. Hamlet fala no manjado "to be or not to be":

" Who would fardels bear,
to grunt and sweat under a weary life,
but the dread of something after death,
the undiscovered country, from whose bourn
no traveller returns, puzzles the will,
and makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?"

O que ele diz sobre o suicídio se aplica perfeitamente à questão da procastinação. Por que Drogo esperou tanto tempo num forte isolado, sem perspectivas ou contato social, por tanto tempo? Preferimos suportar as dores já conhecidas a arriscar novas. Mas o tempo, indiferente, passa.